quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Testemunho do pai de um marchador juvenil dos Estados Unidos

No Campeonato do Mundo de Juvenis realizado em Bressanone, Itália, em Julho de 2009, o atleta norte-americano Trevor Barron (na foto) de 16 anos, alcançou um brilhante 4.º lugar na prova de 10.000 m marcha obtendo a marca de 42.22,79 m, batendo o recorde dos EUA da categoria de juniores por 27 segundos.

Bruce Barron, o pai do atleta, publicou uma mensagem para um grupo de discussão da marcha, mensagem essa que se considera um excelente depoimento e um testemunho de grande significado por parte de quem tem vivido «na sombra», como o próprio refere, a carreira desportiva do seu filho desde os seus 9 anos de idade.

Nesse relato, aqui e ali, sentimo-nos identificados por algumas, talvez não poucas, situações descritas… Julga-se interessante partilhar essa mensagem no blogue «O Marchador».


Testemunho

A minha mulher tem sido uma entusiasta deste grupo de discussão nos últimos seis meses, dedicando-lhe a atenção absorvente que devia ser destinada a mim. Pela minha parte, tenho sido um leitor ocasional, pensando algumas vezes enviar um «post» cheio de venetas mas acabando sempre por decidir esperar que o meu filho pudesse ajudar a dar maior credibilidade às minhas reflexões. Julgo que esse momento chegou.

A carreira do Trevor como marchador teve três momentos decisivos. O primeiro teve que ver com a maneira como entrou para a marcha, aos 9 anos (e que Tom Eastler previu muito bem): tal como o Trevor contou em entrevistas recentes, a irmã entrou para o atletismo quando descobriu que era boa saltadora e ele seguiu-lhe as pisadas. Em 2001, ela ganhou uma viagem paga pelo pai para os Junior Olympics, em Sacramento, ou seja a sua primeira viagem de avião, enquanto o Trevor, que de forma consistente se classificava nos últimos lugares na velocidade e no comprimento, ficou em casa. Assumiu então, de forma decidida, que no ano seguinte iria ele naquele avião. Assim, tentou todas as provas possíveis no escalão e acabou por se qualificar em três delas para os Junior Olympics de Omaha, em 2002. Aí, foi 27.º no turbodardo e no salto em altura, mas 2.º na marcha. Ficou cheio de motivação. Nessa altura, John MacLachlan e Ray Kuhles estavam a iniciar o programa internacional de treino de jovens em marcha atlética e, esquecendo que procuravam miúdos a partir dos 12 anos, inscreveram-no.

O segundo esteve relacionado com o que o levou a treinar-se de forma mais séria: nos anos que passou com Ray Kuhles, o Trevor aprendeu muito mas treinou-se pouco, porque se dedicava mais à natação, onde era muito bom. Mesmo assim, ganhou os Junior Olympics de 2003 a 2005. No Outono de 2005, os ataques de epilepsia tornaram-se tão frequentes e problemáticos que foi posto fora do clube de natação. Como pequena compensação para esta fase de desânimo, demos-lhe como prenda de Natal de 2005 uma viagem ao Sul do Texas. Foi para lá em Março de 2006, ficando durante uma semana com a família Vergara e desenvolvendo pela primeira vez um rigoroso plano de treino de marcha. Em Agosto de 2006, o Trevor foi submetido com sucesso a uma operação ao cérebro, mas nunca voltou à natação de competição.

O terceiro relacionou-se com o que o fez voltar atrás na decisão de abandonar a marcha: o Trevor ficou tão farto dos piropos que lhe mandavam durante os treinos no parque ao pé de casa que decidiu passar para a corrida quando voltasse da Taça do Mundo Marcha de 2008, na Rússia. Não quis ir aos nacionais de juniores, apesar de serem a apenas três horas de distância e, em vez disso, fez corrida o Verão todo e durante uma época muito fraca de corta-mato. Descontente com os resultados nos regionais de corta-mato, envolveu-se num plano brutal de treino de corrida durante mais duas semanas, até perceber que aquele plano de treino era insuportável e que o objectivo de se tornar um grande corredor se calhar era inalcançável. Decidiu então voltar para a marcha.

Este resumo suscita-me alguns comentários. Em primeiro lugar, estando a marcha atlética tão no fundo da cadeia alimentar do atletismo dos EUA, os grandes nadadores não marcham, os grandes corredores não marcham. A tendência é a de termos os atletas de valor médio, aqueles que podem ser bons nas outras modalidades mas nunca os excelentes. Esta não é a situação ideal mas, como não vamos mudar a cultura do dia para a noite, temos de conformar-nos com isso e apresentar a toda a gente a marcha atlética como uma disciplina vibrante e exigente mas compensadora. Uma vez que a inclusão da marcha nos programas do ensino secundário e no desporto universitário não está no horizonte, talvez valha a pena dar destaque à popularidade internacional do nosso desporto.

Por outro lado, foi a Three Rivers Association da Federação de Atletismo dos Estados Unidos que permitiu o sucesso do Trevor. Durante os nove anos da nossa ligação a essa associação, não houve torneio nem campeonato a nível regional ou local – e foram à volta de 60 – que não incluísse a marcha no programa. Todos os anos há um torneio que tira os 400 metros do programa para poupar tempo, mas nunca isso é feito com a marcha (uma vez, um torneio estava atrasado e o locutor sugeriu que se cancelasse a prova de marcha, mas eu entrei na pista e evitei a anulação da prova). O resultado foi que o Trevor descobriu vários miúdos para a marcha e treinadores que os podiam ensinar. Sem esta oportunidade inicial, não teria sido possível o seu progresso nos sete anos seguintes.

Há outra nota importante que pode retirar-se da história do Trevor: é difícil para um adolescente treinar marcha atlética. Junte-se a falta de treinadores, a falta de colegas de treino, a falta de apoios e a falta de reconhecimento (excepto para os piropos), acrescente-se a quantidade de tempo necessário para desenvolver resistência para os 10 km e não causará admiração que se tenha um grupo tão pequeno de estudantes do secundário a dedicar-se a esta disciplina. Além disso, é difícil imaginar que o Trevor conseguisse uma época de 2009 tão bem sucedida se tivesse passado o Inverno em Pittsburgh, com este tempo terrível, a completa falta de marchadores a sério e a carência de recintos cobertos para treino. O sucesso dele exigiu uns pais dispostos a tirá-lo da escola a meio do ano final do secundário, a mandá-lo para a bem mais ensolarada San Diego durante quatro meses e a aceitar uma descida temporária no rendimento escolar (o Trevor, que costuma ser um aluno excelente, concordou em adiar a entrada na universidade por pelo menos um ano).

Podemos ter uma comunidade de marchadores relativamente pequena, mas muitas pessoas que deram contributos importantes para o crescimento do Trevor podem agora reclamar uma fatia de crédito pelo seu recente sucesso. E devem ser nomeadas algumas – com pedido de desculpas por eventuais omissões. Referi acima John MacLachlan, Ray Kuhles e os Vergaras. Debbie Williams, do South Park Track Club, guiou o Trevor nos primeiros passos na marcha quando mais ninguém no nosso clube seria capaz de fazê-lo. Os Nemeth e os Labash foram duas famílias da nossa associação muito motivadoras e empenhadas em desenvolver o conhecimento sobre a marcha. A.C. Jaime acolheu o Trevor no Texas várias vezes e foi um grande estímulo. David Lawrence e Allen James deram ao Trevor a oportunidade de treinar-se e de competir com eles na zona de Buffalo. Vince Peters constituiu um apoio inestimável sob diferentes formas, incluindo deslocações aos torneios de 2008 em pista coberta. Zachary Pollinger foi o primeiro mentor do Trevor na marcha e Bill Pollinger foi incansável no incentivo e no aconselhamento, mesmo quando teve de mostrar ao Trevor as tenebrosas raquetas vermelhas. Mike Rohl e Mike Dewitt deram sugestões em momentos decisivos. Outros houve que participaram em estágios de marcha. John Nunn ofereceu alojamento ao Trevor em San Diego e, claro, Tim Seaman assegurou acompanhamento técnico de alta qualidade e baixo custo a um adolescente por vezes muito acanhado e pouco comunicativo.

Aqueles que se interrogam sobre o apoio da federação dos EUA aos marchadores poderão encontrar na nossa experiência algum encorajamento. O Trevor recebeu financiamento para três deslocações ao estrangeiro nos últimos 15 meses, estando prevista uma quarta para breve (Trindade e Tobago, para os pan-americanos de juniores). Isto, não contando com o encontro EUA-Canadá, em que não competiu. O Trevor (tal como os Sorenson) foi igualmente apoiado num estágio de duas semanas na Califórnia com o Tim Seaman antes dos nacionais de juniores. Tive três conversas com o director coordenador dos escalões jovens, Lionel Leach, duas por telefone, no mês passado, e uma hoje, em presença, nos Junior Olympics da Região 2, em Jamestown (é verdade, a minha família foi para Itália e eu fui para Jamestown. Felizmente, tive oportunidade de ver uma menina de 9 anos do nosso grupo de jovens a fazer uns excelentes 1500 metros marcha e a posicionar-se como séria candidata para um título nacional nos Junior Olympics. Estamos a fazer a nossa parte na construção da marcha atlética, apesar de também no nosso clube os que têm valor noutras provas não quererem chegar-se à marcha). O Lionel manifestou-me grande disponibilidade para investimento na melhoria da nossa marcha jovem, tendo eu oferecido a nossa disponibilidade para toda a colaboração possível.

Tudo menos ser eu o colega de treino do Trevor, agora que ele tem melhor marca nos 10 km a marchar do que eu a correr.

Uma sugestão final: sendo nós um grupo relativamente pequeno, tentemos não andar a devorar-nos uns aos outros, seja neste grupo de discussão ou noutro sítio qualquer.

Vou agora voltar à minha condição preferida de homem na sombra. Mas se puder ser de alguma utilidade, contactem-me para brucepfi@aol.com

Bruce Barron
Pai do Trevor