terça-feira, 24 de abril de 2012

José Pinto fez história há 30 anos

Em 1982, José Pinto abriu novos caminhos
para a marcha em Portugal.
Foto: O Marchador
Neste dia 24 de Abril, mas de 1982, Portugal conheceu um importante feito desportivo da autoria de um marchador. Competindo em Beja, durante o II Grande Prémio Planície Dourada, organizada pelo Pax Julia, José Pinto venceu a prova de 20 km marcha com 1.28.50 h, marca que não apenas constituía novo recorde nacional mas também conferia mínimos para os Campeonatos Europeus de Atletismo, a realizar nesse Verão em Atenas.

Quase a terminar uma prova emocionante, José Pinto, representando o C.F. Os Belenenses, chegou à última volta tendo a seu lado o companheiro de toda a prova, Hélder Oliveira, do Sporting Clube Olhanense. Durante os quilómetros precedentes, a meta estava na marca de 1.29.00 h, os mínimos exigidos pela Federação Portuguesa de Atletismo (FPA) para participar nos 20 km marcha dos campeonatos Atenas-82. E à entrada para a volta derradeira tudo parecia perdido, sendo quase impossível impor o ritmo suficiente para atingir o objectivo.

Vale a pena recuperar nesta fase da história o que José Pinto contou em 1997 em entrevista para o boletim «O Marchador», a propósito desta prova fantástica. Tinham passado então 15 anos sobre o evento, que servia de tema de abertura à conversa.

O MARCHADOR — Quando e onde foram obtidos os mínimos para os Europeus de Atenas de 1982?
JOSÉ PINTO — Fiz uma primeira aproximação no Grande Prémio de Alenquer. Os mínimos, na altura, eram muito exigentes, 1.29.00 h, quando o recorde nacional era de cerca de 1.42.00 h. Esses mínimos não eram mais do que um «pro forma». Tínhamos solicitado uns mínimos para servirem de referência e de estímulo para a nossa evolução mas nem nos passava pela cabeça fazê-los. A marca de 1.29 h era já de nível internacional e o nosso recorde nacional ficava muito longe disso.

Em Alenquer, então, fiz um tempo de cerca de 1.31 h, que já era um salto notável em relação à minha «performance» anterior. Fiquei bastante motivado mas, ao mesmo tempo cheio de raiva: por um lado, a federação tinha estabelecido os mínimos como mero «pro forma» mas, por outro, isso encheu-me de força para trabalhar mais e com mais afinco.

Nessa altura havia cá em Portugal um grande prémio internacional, o único, que era o Planície Dourada, organizado pelo Pax Julia, um clube de Beja. Vieram cá atletas com boas marcas, nomeadamente o Luis Bueno, de Espanha, que era uma das grandes promessas espanholas, tinha feito uma boa marca na Taça Lugano desse ano e me deu uma grande ajuda. Esteve o Hélder Oliveira, que também fez uma grande marca. Reuniu-se um conjunto de bons atletas e com a moldura humana que envolveu a prova estavam criadas as condições para se realizarem as marcas que se conseguiu realizar nessa altura. Fiz 1.28.50 h.

À entrada para a última volta, eu e o Hélder estávamos atrasados em relação ao mínimos. Tínhamos de fazer quatro minutos e pouco no último quilómetro, o que na altura era andar muito. Eu disse então ao Hélder que não valia a pena esforçarmo-nos porque era impossível fazer o último quilómetro tão rápido. E ele disse (lembro-me perfeitamente): «Não, senhor, vamos fazer os mínimos!» E tomou a iniciativa, acelerou muito mais o ritmo, eu persegui-o. A cerca de 300 metros da meta, disseram-nos que estávamos muito perto de conseguir os mínimos, reuni as últimas forças e dei mais um esticão. Distanciei-me um pouco do Hélder, que acabou por ficar a dois segundos dos mínimos.

Assim ficava contada, na primeira pessoa, a história de uma prova que marcou uma nova visibilidade da especialidade em Portugal, ao ter permitido a estreia de marchadores portugueses no plano internacional ao mais alto nível – a primeira presença de marchadores portugueses numa prova internacional com mínimos.

O Grande Prémio Planície Dourada foi uma muito arrojada iniciativa das gentes de Beja. José Pinto ganharia a prova com a primeira marca de um marchador português abaixo da hora e meia e com o Hélder Oliveira a falhar os mínimos europeus por misérrimos dois segundos.

A prova tivera o especial entusiasmo organizativo de Joaquim Casaca, hoje presidente da Associação de Atletismo de Beja. A marca de José Pinto, como a de Hélder Oliveira, foi para a época considerada nos meios atléticos como sensacional, tendo a foto do atleta do Belenenses feito a capa da edição de Junho de 1982 da revista «Atletismo Português», publicada pela FPA.

Dando um passo muito relevante na sua afirmação como marchador de nível internacional, José Pinto tinha protagonizado uma progressão enorme desde a época anterior. Em 1979 tinha como melhor marca nos 20 km o tempo de 1.42.50,6 h; no ano seguinte, 1980, melhoraria um pouco para 1.42.14,0 h; mais um ano volvido e em 1981 atingia 1.39.41,2 h. No início de 1982 atingia então, sucessivamente, 1.30.40 h (Alenquer, 21/2), 1.30.17 h (Lisboa, 28/3) e, por fim, 1.28.50 h (Beja, 24/4).

Uma progressão de quase 11 minutos em relação à marca do ano anterior. Um passo enorme na afirmação de Portugal no contexto internacional da marcha atlética, a que só faltou a cereja no topo do bolo que teria sido Hélder Oliveira ter tido o mesmo sucesso.