quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Marcha em Portugal na Primavera de 1938 (VI)

Entrada para o campo de jogos do Fonte Santense, junto à sede
 do clube, em Lisboa, numa imagem recente. Foto: Google Maps
Menos de dois meses depois da prova de 25 quilómetros organizada por «Os Sports», realizada a 10 de Abril de 1938, a marcha voltou às ruas de Lisboa, desta vez por iniciativa do Sport União Fonte Santense, colectividade sediada na zona de Campolide que a 5 de Junho levou para a estrada outra competição de 25 quilómetros. A prova fora anunciada na edição de 27 de Abril de «Os Sports», que disso fez gala, vangloriando-se de ser este mais um exemplo do sucesso da sua organização de uma marcha de 25 km em Lisboa, levada a efeito com o intuito de fazer renascer a marcha em Portugal.

A 20 de Maio já surgem publicadas no jornal outras informações, com relevo para a definição do percurso, estabelecido da seguinte forma: partida da Fonte Santa, seguindo por Necessidades, Rua Tenente Valadim, Avenida da Índia, Estrada da Carapuça, Benfica, São Sebastião da Pedreira, Campolide, Arco do Carvalhão, Rua de Campo de Ourique, Rua Ferreira Borges, Rua Domingos Sequeira, Rua de Santo António à Estrela, Rua Possidónio da Silva e de novo Fonte Santa, onde estava instalada a meta.

Faltavam pouco mais de duas semanas para a concretização da prova e na lista de prémios, constituída por quatro taças, surgia pela primeira vez a expressão «marcha atlética». Até esse momento, «Os Sports» e os organizadores das provas que sucederam ao evento de 10 de Abril referiam-se sempre à marcha através desse substantivo isolado («marcha»). O adjectivo «atlética» surge pela primeira vez nas páginas do jornal associado à marcha na breve menção à prova do Fonte Santense e identificando o Troféu «Marcha Atlética», que iria ser atribuído ao clube que tivesse maior número de concorrentes chegados.

Ao contrário do que aconteceu com a reportagem da prova organizada pelo próprio jornal, publicada com grande destaque na edição imediatamente a seguir à prova (logo no dia seguinte, segunda-feira), desta vez, no caso da prova do Sport União Fonte Santense, foi preciso esperar três dias e duas edições para que, na quarta-feira, fosse então publicada uma brevíssima reportagem, diluída num espaço a duas colunas da secção sobre atletismo, preenchida com notícias variadas. Transcreve-se de seguida a notícia por completo.

A prova de marcha do Fontessantense

No domingo efectuou-se uma prova de marcha do Fontessantense.

A prova decorreu com muito interesse, fornecendo um belo espectáculo de propaganda.

Foi vencedor Manuel Guerreiro, que na prova de «Os Sports» se classificou em 4.º lugar. Alberto Sousa, vencedor da nossa prova, terminou agora segundo.

Por equipas a vitória pertenceu ao Grupo Desportivo de Sete Rios, seguido do Sporting e do S. Domingos de Setúbal.

Terminaram a prova 112 concorrentes.

A organização satisfez, merecendo louvores o Fontessantense por esta iniciativa, que muito auxiliou a propaganda da marcha e, duma forma geral, do atletismo.

Classificação individual:
1.º, Manuel Guerreiro, Secil Football Clube, 2 h, 13 m.
2.º, Alberto de Sousa, Sport U. Fontessantense, 2 h, 14 m.
3.º, Armando Gonçalves, Desportivo de Sete Rios, 2 h, 17 m.
4.º, Ernesto S. Freitas, Sport U. Fontessantense, 2 h, 18 m.
5.º, Guilherme Duarte, Desportivo Sete Rios, 2 h, 18 m.
6.º, João B. Gonçalves, Santantonense F.B. Clube, 2 h, 19 m.
7.º, António Santos, Sportivo de Carcavelos, 2 h, 19 m.
8.º, José da Silva, G. Inst. e R. Oliveirense, 2 h, 20 m.
9.º, Joaquim Alvares, Sporting Clube de Portugal, 2 h, 20 m.
10.º, António Ramires, S. Domingos de Setúbal, 2 h, 22 m.

Classificação por equipas:
1.º, Grupo Desportivo de Sete Rios, 3-5-12-17-20, 57 pontos.
2.º, Sporting Clube de Portugal, 9-13-18-19-26, 85 p.
3.º, S. Domingos Football Clube, 10-11-15-37-43, 116 p.
4.º, Grupo Inst. e R. Oliveirense, 8-14-16-41-50, 129 p.
5.º, Sport Lisboa e Benfica, 22-32-35-36-57, 182 p.
6.º, Sport União Fontessantense, 2-4-54-63-69, 192 p.
7.º, Campolide Atletico Clube, 25-33-34-53-66, 211 p.
8.º, Gremio do Alto do Pina, 28-38-40-58-61, 225 p.
9.º, Populares do Campo de Ourique, 23-45-51-72-84, 275 p.
10.º, União Desportivo Oliveirense, 30-55-73-78-104, 340 p.
11.º, Cascalheira Atletico Clube, 44-67-75-87-95, 368 p.
12.º, Sport União Fontessantense, 70-71-74-76-80, 371 p.

Numa rápida análise da notícia e das classificações nota-se de imediato que o texto da reportagem publicada em «Os Sports» é muito lacónico, referindo apenas dados essenciais. Ainda assim, numa época em que a marcha aparecia desligada (nos noticiários e nas competições) do restante atletismo, é curioso notar que a reportagem termina com a associação entre os dois conceitos (quando se diz «propaganda da marcha e, duma forma geral, do atletismo»).

Nas classificações torna-se evidente que as marcas são pouco rigorosas, mais ainda do que já acontecera na prova de Setúbal. Também surgem dúvidas quanto ao rigor da distância, não tanto por cálculo através das marcas obtidas nesta prova mas pela sua comparação com as registadas na prova de Abril, também dita como sendo de 25 km, mas com tempos bastante mais dilatados (vitória tinha sido conseguida em 2.37.51 h, contra 2.13 h desta vez).

Tal como se verificara na reportagem da competição de Setúbal, volta a prevalecer nesta reportagem a comparação com a prova organizada pelo próprio jornal em Abril, num tom que parece valorizar a iniciativa de «Os Sports» e desvalorizar as restantes.

Por fim, assinala-se a confirmação de Manuel Guerreiro como expoente da marcha portuguesa da época, agora numa prova com menos participantes do que a de 10 de Abril mas ainda assim com larga adesão. No entanto, foi o suficiente para que a classificação colectiva fosse apurada em função dos cinco primeiros classificados de cada equipa, havendo mesmo assim pelo menos doze equipas classificadas.

Resta agora saber como iria o jornal noticiar a prova de Coimbra, ocorrida na mesma data desta de Lisboa.