quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Marcha em Portugal na Primavera de 1938 (VII)

Cabeçalho da notícia de «Os Sports» sobre a Volta
à Conraria em marcha
. Pesquisa: O Marchador
No mesmo dia 5 de Junho de 1938 em que o Sport União Fonte Santense levava a efeito em Lisboa uma prova de marcha de 25 quilómetros, Coimbra conhecia aquela que terá sido a primeira competição da especialidade realizada na cidade. Na verdade, a competição desenrolou-se quase toda fora do perímetro urbano, na margem esquerda do Mondego, sobre um percurso hoje famoso no atletismo coimbrão: a Volta à Conraria. A prova totalizava 14 quilómetros e resultava da iniciativa do Sporting Clube das Lajes, uma das primeiras filiais em Coimbra do Sporting Clube de Portugal e que naquela ocasião contou com o apoio, mais uma vez, do jornal «Os Sports».

De resto, o jornal foi pródigo na divulgação da prova, fazendo um primeiro anúncio na edição de 6 de Maio. Aí se indicava que a competição teria lugar a 22 desse mês (Maio), por iniciativa do Sporting Clube das Lajes. Duas semanas mais tarde, a 20 de Maio, actualizava-se a data escolhida para o acontecimento, agora 5 de Junho, e garantia-se que se tratava, de facto, de uma novidade desportiva em Coimbra, razão pela qual a prova estava a despertar um interesse extraordinário nos clubes da região.

A 27 de Maio anunciava-se que já estavam abertas as inscrições, que poderiam ser feitas até à antevéspera da prova. Eram admitidas inscrições por equipas de cinco elementos ou a título individual. Aquelas custavam dez escudos, enquanto os atletas individuais deveriam pagar três escudos. E acrescentava-se que haveria três taças de prata em disputa, sendo uma para o vencedor individual e as restantes para as duas primeiras equipas.

Por fim, a 3 de Junho, no dia em que terminava o prazo para as inscrições, garantia-se estarem «já inscritos pedestrianistas dos mais importantes clubes da região», estando a partida marcada para as 16.00 horas de 5 de Junho, nas Lajes.

Apesar de todo o desvanecimento com que «Os Sports» se mostravam por mais uma vez terem sido convidados a apoiar tecnicamente uma prova de marcha na sequência da competição organizada pelo próprio jornal dois meses antes, a notícia com os resultados da prova surgiu apenas cinco dias depois de a competição ter tido lugar. Foi então necessário esperar por sexta-feira, 10 de Junho, para que «Os Sports» noticiassem: «A prova de marcha do Sporting das Lages foi ganha por Manuel Rodrigues, do Vitória da Arregaça».

Era esse o título da reportagem (apesar de tudo, um pouco mais desenvolvida que a publicada dois dias antes sobre a prova do Fonte Santense, em Lisboa), que a dado passo rezava assim:

À partida, efectuada nas Lajes, compareceram 19 atletas, número muito considerável se atendermos que a marcha era modalidade totalmente inédita no nosso meio.

O percurso compreendia a conhecida Volta da Conraria, num total de 14 quilómetros. Apenas se verificou uma desistência: a de Manuel Casimiro, do Sporting das Lajes, o que é também interessante registar.

Foi a partir de Ceira que começou a desenhar-se o triunfo final, destacando-se imediatamente o vencedor, com boa e vigorosa passada. Seguiam-no um pelotão composto por Eduardo Santos, José Machado, Fausto Gonçalves, o recente vencedor da Légua de Campanhã, João Silva e José Pereira. Fragmentados, marchavam na retaguarda os restantes concorrentes.

Segundo o relato de «Os Sports», que assinalava a grande adesão do público que brindou os atletas com aplausos e incentivos, nada de significativo aconteceu até final, apenas se definindo a classificação, que ficou ordenada da seguinte forma:

1.º,  Manuel Rodrigues (Vitória Football Clube, da Arregaça), 1h24m
2.º, José Machado (Sporting Clube das Lajes), 1h27m50s
3.º, João Silva (Sporting Clube das Lajes)
4.º, Eduardo Santos (Sporting Clube das Lajes)
5.º, Eduardo Madeira (Sporting Clube das Lajes)
6.º, Ramiro Rodrigues (Vitória da Arregaça)
7.º, José Ferreira (Vitória da Arregaça)
8.º, António Lopes (Vitória da Arregaça)
9.º, Maximino de Oliveira (Sporting Clube das Lajes)
10.º, António José de Sá (Sporting das Lajes)
11.º, Armando Simões (Sporting das Lajes)
12.º, J. Bento Roseiro (Sporting das Lajes)
13.º, Manuel Bacelar (Vitória da Arregaça)
14.º, Fausto Gonçalves (Vitória da Arregaça)
15.º, António Simões (Sporting das Lajes)
16.º, Manuel França (União Football Coimbra Clube)
17.º, António Nugata (Vitória da Arregaça)
18.º, Diamantino França (União Football Coimbra Clube)

Colectivamente venceu a equipa A do Sporting Clube das Lajes (2+3+4+12=21 pontos), seguida do Vitória Football Clube, da Arregaça (1+6+7+13=27 potos) e da equipa B do S.C. Lajes (5+8+9+10=32 pontos).

A reportagem assinala ainda entre as notas positivas a presença de atletas do União, «que deu assim um alto exemplo aos clubes que não estão para massadas».

Mais uma vez pode descortinar-se alguma falta de rigor que pode ser atribuída tanto à organização da prova como ao nível de exigência redactorial da equipa de «Os Sports». Como já se verificara antes, volta a surgir uma classificação com tempos incompletos e atribuídos unicamente aos primeiros (talvez por limitação de espaço no jornal). Para além de formas diferentes de registar o nome dos clubes e da carência de clara identificação de quais os atletas das equipas A e B de um dos clubes participantes, constata-se outro problema que põe em causa a credibilidade do jornal: se havia 19 atletas concorrentes, de apenas três clubes, todos de Coimbra, como foi possível que «Os Sports» tivessem garantido nos dias precedentes que a prova estava a suscitar interesse extraordinário nos clubes da região?

É uma dúvida que paira sobre os critérios jornalísticos daquele afamado título, mesmo descontando que os critérios de exigência e rigor dos nossos dias não podem ser aplicados a 75 anos atrás.

Em todo o caso, uma verdade é garantida: a Primavera de 1938 chegava ao fim com o grande sucesso do evento levado a efeito pelo jornal em Abril desse ano e com as significativas repercussões que dele resultaram. Depois do Verão, outras provas seguiriam a inspiração de «Os Sports», entrando mesmo pelo ano de 1939 e por outras regiões do país.