terça-feira, 19 de agosto de 2014

Zurique-2014: balanço internacional das provas de marcha

Os pódios da marcha em Zurique-2014.
Fotos: Ian Walton e Michael Steele (Getty Images), e Hagen Pohle.
Montagem: O Marchador
Concluídos os 22.os Campeonatos da Europa de Atletismo, realizados em Zurique, na Suíça, vale a pena fazer o balanço das três provas de marcha aí realizadas, assinalando para cada uma os aspectos mais relevantes numa abordagem geral. Para amanhã fica reservada a análise do desempenho dos marchadores portugueses.

13 de Agosto, 20 km masculinos
A primeira das provas de marcha do programa dos europeus de Zurique confirmou Miguel Ángel López como a grande figura da marcha espanhola do presente e do futuro próximo, revelando todas as capacidades para dar continuidade aos campeões que a Espanha tem apresentado desde que em 1978 Jorge Llopart se sagrou campeão europeu dos 50 km em Praga. Depois de, em 2013, ter alcançado o segundo lugar na Taça da Europa de Dudince e o terceiro nos mundiais de Moscovo, López era um dos favoritos nos 20 km de Zurique e não deixou os créditos por mãos alheias, relegando para os lugares mais baixos do pódio precisamente os dois russos que no ano passado tinham vencido aquelas duas provas: Aleksander Ivanov (campeão em Moscovo) e Denis Strelkov (vencedor em Dudince).

A marca do espanhol (1.19.44) não superou o recorde pessoal por 23 segundos, mas tal facto não tira nenhum brilho ao sucesso do atleta de Múrcia, que, patenteando excelente técnica, foi capaz de impor-se no momento decisivo ao trio que o acompanhou até aos metros finais. Aliás, nesse aspecto, cabe salientar o elevado desempenho de Ivanov e de Strelkov, bem assim como do ucraniano Ruslan Dmytrenko, que merecia tanto uma medalha como qualquer dos colegas de prova que subiram ao pódio.

Nesta prova, alguns dos mais jovens participantes demonstraram que vem aí uma geração que há-de causar furor no mundo da marcha dos próximos anos. Aleksander Ivanov, no segundo ano de sénior, é um deles, mas também os outros dois espanhóis (Álvaro Martín, 6.º, e Luís Alberto Amezcua, 10.º) e o alemão Hagen Pohle (15.º), ainda que este último pareça mais demorado na afirmação no escalão mais elevado.

14 de Agosto, 20 km femininos
A vitória da russa Elmira Alembekova veio confirmar a parte do favoritismo que poderia ser-lhe atribuída à partida. De resto, entre as atletas presentes em Zurique que tinham alinhado também na Taça do Mundo de Taicang, Alembekova era a que tinha obtido melhor classificação, com o terceiro lugar, atrás da compatriota Anisya Kirdyapkina (ausente por doença) e da chinesa Hong Liu (que não é europeia, está claro).

Mas a tarefa de Elmira Alembekova não foi nada fácil, dada a resistência que teve de enfrentar até perto do final, sobretudo da parte da checa Anežka Drahotová e da ucraniana Lyudmyla Olyanovska. Drahotová acabaria ultrapassada na luta pela medalha de prata e Olyanovska confirmava com o segundo lugar o excelente desempenho da Taça do Mundo, em que fora sétima.

Estas duas atletas são também elas garantias de um futuro de grande qualidade da marcha feminina europeia. Anežka Drahotová só em 2015 ascenderá a sénior depois de uma brilhante carreira de júnior (e juvenil) recheada de títulos e recordes europeus e mundiais do escalão, a que se juntaram fabulosas classificações em campeonatos absolutos (e não só de marcha, como se sabe); Lyudmyla Olyanovska entrou há já ano e meio no escalão superior, mas continua a ser uma muito jovem atleta que por certo não deixará de dar grandes alegrias desportivas à Ucrânia. Já a sair das sub-23, Antonella Palmisano também terá cartas a dar em matéria de juventude, mas por agora tem de assistir à ascensão meteórica de outra italiana, Eleonora Anna Giorgi, quinta na Taça do Mundo e também neste campeonato europeu.

15 de Agosto, 50 km
Os 50 km marcha foram uma das grande provas destes europeus de Zurique e o seu vencedor, Yohann Diniz, foi seguramente o atleta que alcançou o maior feito. Desde logo, por ter batido de forma inesperada um recorde mundial que, naquelas condições atmosféricas, poucos se atreveriam a prever que pudesse cair. Depois, porque o fez por uma diferença muito significativa, retirando um minuto e 41 segundos ao máximo que estava na posse de Denis Nizhegorodov desde há seis anos. Ainda por uma terceira razão: conseguiu bater um recorde mundial terminando cheio de energia e depois de ter parado durante uns bons dez segundos a cerca de 150 metros da meta para pedir aos elementos da mesa de abastecimento de Portugal uma bandeira do país dos seus avós. E se quisermos uma quarta razão podemos invocar o facto de Yohann Diniz ter alcançado um insólito terceiro título europeu consecutivo em provas de marcha.

O novo melhor registo mundial dos 50 km foi o culminar de uma prova também ela quase tão emotiva como a dos 20 km masculinos. Os russos Ivan Noskov e sobretudo o mais jovem Mikhail Ryzhov fizeram grande parte das despesas da prova, em especial nos primeiros dois terços da competição. Com acelerações e desacelerações, colagens, descolagens e recolagens entre os atletas da frente, o desfecho da prova foi sendo uma incerteza. Mesmo quando, por volta dos 35 quilómetros, Diniz se isolou definitivamente, ninguém poderia afirmar que o vencedor estava encontrado naquele momento. Perceber-se-ia depois que nada haveria a fazer e que as derradeiras voltas do francês mais não eram do que uma cavalgada para aquela fantástica marca final.

Para os quatro primeiros, verdadeiro quarteto de heróis de uma prova disputada em condições adversas, as marcas foram de grande qualidade, não sendo vulgar encontrar um tão bom e tão grande conjunto de marcas (quatro) abaixo das 3.40 h. Mais impressionante foi verificar que uma das maiores figuras da marcha mundial, o eslovaco Matej Tóth, bateu largamente o recorde do seu país com 3.36.21 h, marca que há pouco mais de dez anos seria recorde mundial mas que, apesar disso, em Zurique não chegou para evitar que o seu autor terminasse a prova com quase quatro minutos de atraso do vencedor.

Conclusão
Apesar da estreiteza dos circuitos escolhidos e da existência de carris a dificultar a progressão dos atletas, Zurique proporcionou três grandes espectáculos de marcha atlética levados a cabo no centro da cidade, protagonizados por marchadores da melhor qualidade, eles próprios do melhor que estes europeus de atletismo puderam apresentar ao mundo. Uma demonstração da vitalidade da marcha atlética e da sua capacidade para atrair público para as competições. Os europeus de Zurique vieram também confirmar que a Europa dispõe de um conjunto de jovens marchadores prontos para receber o testemunho da actual geração e conservar para a Europa um papel de protagonismo na cena da marcha mundial.

Resta esperar que os resultados obtidos, os títulos conquistados e as medalhas distribuídas não venham no futuro a ser objecto de reajuste por via de qualquer descoberta desagradável.